O aproveitamento dos diferentes tipos de biomassas para o benefício do homem é algo tão antigo quanto o uso do fogo e, ao longo dos milhares de anos, foi sendo diversificado e aperfeiçoado em para atender as mais diversas necessidades. Contudo, a alimentação, a produção de calor e energia sempre estiveram no centro dos esforços tecnológicos, em vista das do crescimento populacional constante que o mundo vem presenciando.

Ao longo do desenvolvimento da indústria moderna o foco principal permaneceu sobre estes três pilares e, em virtude da escassez de terras agricultáveis em muitos países industrializados, dos movimentos econômicos mundiais e das crescentes preocupações com as condições climáticas do planeta, se tornou necessário o uso ainda mais intensificado das biomassas como fontes alternativas de insumos para diferentes industrias de transformação.

O termo Biorrefinaria surge como uma forma de definir o uso intensivo e diversificado das biomassas, em vista da riqueza de composição que apresentam. No entanto, apesar de ser um termo recente, seu conceito já vem sendo aplicado em diferentes segmentos, como o de papel e celulose e sucroalcooleiro, em que a matéria-prima de origem vegetal tem suas diferentes frações convertidas em produtos de interesse.

O termo Biorrefinaria ganhou notoriedade a partir da conversão de biomassas composição lignocelulósicas em etanol que, ao longo dos desenvolvimentos tecnológicos, também ganhou as denominações de Etanol Celulósico e Etanol de Segunda Geração. Foram intensivos os investimentos em torno desta temática em vista do caráter estratégico, pois permitia produzir energia de forma ambientalmente sustentável e por não competir pela disponibilização de terras agricultáveis para a produção de alimentos.

Ao longo das décadas de 1990 e 2000 se observou uma verdadeira corrida mundial pelo desenvolvimento de tecnologias para a produção de Etanol de Segunda Geração que pudessem competir em custo com as convencionais, que utilizam fontes sacaríneas e amiláceas. O Departamento Norte Americano de Energia (DOE) foi o grande responsável pelos avanços, sendo responsável pela condução das políticas tecnológicas do governo dos Estados Unidos, que culminaram no surgimento de inúmeras empresas e a construção de unidades demonstrativas ao redor do mundo.

Com o amadurecimento do etanol advindo de fontes lignocelulósicas, grandes players entraram neste circuito de desenvolvimento. A sinergia entre fatores tecnológicos, econômicos e estratégicos estabeleceu um novo cenário capaz de aproximar empresas de segmentos distantes, como petróleo e biotecnologia.  Não se pode deixar de mencionar que fomentos governamentais foram cruciais para os avanços em diferentes campos relacionados a esta temática. Porém, com o escalonamento dos processos em torno do etanol de segunda geração os esforços em pesquisa acadêmica começou a perder força, e os grupos de pesquisas se voltaram para a busca de novas moléculas que poderiam ser produzidas a partir das biomassas.

É importante destacar que as complexidades tecnológicas em torno da transformação das biomassas lignocelulósicas impuseram barreiras econômicas à Biorrefinaria, especialmente relacionadas à produção de commodities, cujos processos produtivos se consolidaram através do uso de matérias-primas sacaríneas (sacarose) e amiláceas (amido). Desta forma, as previsões do DOE de que as tecnologias para a produção de etanol de segunda geração teriam um custo inferior ao de primeira geração não se cumpriram.

Apesar da quebra de expectativa, não se pode deixar de valorizar a intensiva formação de mão-de-obra altamente qualificada que ocorreu ao longo das três últimas décadas. O etanol foi o vetor que permitiu o estabelecimento de um ambiente técnico favorável ao desenvolvimento de novos processos, produtos e aplicações em torno das biomassas residuais de composição lignocelulósicas.

A partir de 2004 o DOE publicou estudos em que foram elencadas inúmeras moléculas, denominadas de Blocos de Construção (Building Blocks), que serviu de norte para os diversos grupos de pesquisa no mundo. Destaca-se que, em primeiro momento, o butanol ganhou notoriedade pela versatilidade de aplicações, em particular no segmento de biocombustíveis, em vista de características energéticas, que o comparam à gasolina, quanto características produtivas e logísticas, que se assemelham ao etanol.

Contudo, a comunidade científica, desta vez, não concentrou esforços em um único alvo e partiu em uma jornada pela busca das especialidades químicas que pudessem ser produzidas a partir dos resíduos lignocelulósicos, e cujo valor de mercado mitigasse os custos de processamento. Ganharam notoriedade os ácidos orgânicos, solventes, polióis e outras classes de moléculas com aplicações em diferentes segmentos, que não apenas o energético. A lignina também passou a ocupar um lugar de destaque no cenário de P&D&I, trazendo consigo outras áreas da química para o desenvolvimento da Biorrefinaria.

Não obstante, é notório e indiscutível que as ciências da vida vêm agregando fundamental valor ao desenvolvimento de processos produtivos de tal modo que, em futuro próximo, será responsável por uma nova revolução industrial. Já se podem mencionar casos em que a biotecnologia foi crucial para o desenvolvimento de matérias-primas cujas características permitem seu processamento mais facilitado e com menor demanda de energia, além de microrganismos mais eficientes e capazes de produzir produtos mais específicos e de maneira mais eficiente. Assim, percebe-se que a biotecnologia moderna irá atuar em todos os elos da cadeia de uma Biorrefinaria.

A biotecnologia estará aliada a intensificação de processos, temática emergente que também terá um papel muito importante na redução dos custos de investimento das unidades e do processamento. De forma adjacente, a robótica, a nanotecnologia, o desenvolvimento de novos materiais e aplicações também norteará a condução de novas formas de processamento. Assim, pode-se vislumbrar que o futuro das Biorrefinarias estará atrelado ao desenvolvimento associado entre da química e biotecnologia, em seu sentido mais amplo. Um novo perfil do profissional será necessário e, desta forma, se faz necessário repensar sua formação.

 

Autor: Luiz André Felizardo Silva Schlittler (Presidente do Grupo Beta 1-4)

Artigo publicado em 
CADERNO DE QUÍMICA VERDE
Ano 2 - Nº 7 - 4º trimestre de 2017

Foto: Ethanol Producer Magazine