Produção de adubos orgânicos: Uma opção para o aproveitamento de biomassas residuais

24/01/2020
O uso intensivo do solo exauri os nutrientes necessários para o bom desenvolvimento vegetal. A utilização de resíduos para a adubação do solo é uma prática antiga na agricultura e, hoje, é uma atividade potencialmente atrativa, do ponto de vista de negócios, especialmente em países com expressiva atividade agrícola e agroindustrial. Tais atividades, em geral, são grandes geradoras de resíduos e, adicionalmente, demandantes de adubos e fertilizantes.

A produção mundial de fertilizantes NPK é de cerca de 182 milhões de toneladas por ano 1, e movimenta pouco mais de U$ 180 bilhões. Esta indústria é bastante concentrada, já que 10 empresas dominam a produção mundial de fertilizantes, sendo 4 norte americanas (Canadá e EUA), 4 europeias, 1 Israelense e uma chinesa. Cabe destacar que 7 dessas empresas são de capital aberto, duas privadas e uma estatal 2.

O Brasil é o quarto maior mercado consumidor de fertilizantes, demandando 6% e dessa produção, ficando atrás de EUA, China e Índia. A agroindústria brasileira consumiu 35,5 milhões de toneladas de fertilizantes em 2018, sendo que produziu apenas 8,1 milhões de toneladas e exportou 330 mil toneladas 3. Os gastos com a importação, no mesmo ano foi da ordem de U$ 8 bilhões 4, sendo as culturas que mais demandaram por fertilização foram a soja (42,7%), o milho (17,8%), cana-de-açúcar (13,0%), café (5,6) e florestas (2,9%) 5.

A produção brasileira de adubos orgânicos é significativamente inferior à demanda e aquém do que poderia ser. Somente a produção estimada de esterco animal, no referido ano, foi de 2,5 trilhões de toneladas, sendo a bovino cultura a maior geradora (1,5 trilhão de toneladas), seguida da suinocultura (900 milhões de toneladas) e da avicultura (10 milhões de toneladas) (MATIAS, 2015). Essa quantidade de biomassa sofreria um acréscimo expressivo se considerássemos as biomassas residuais vegetais (bagaço e palha de cana-de-açúcar, sabugo e palha de milho...), vinhaça, torta de filtro e as biomassas urbanas.

Existem no Brasil mais de 100 empresas de produção de adubos por compostagem e biodigestão, bem como biogás e outros produtos oriundos da decomposição de biomassas. O perfil da empresa, em termos de faturamento, é predominante em empresas com receitas anuais até R$10 milhões e apenas 2% de empresas com faturamento superior a R$100 milhões. Cabe ressaltar que o faturamento anual do segmento de adubos orgânicos, compostos organominerais, condicionadores de solos e substratos está em torno de R$ 2 bilhões (MATIAS, 2015)

O processo majoritário para a produção de adubos é a compostagem, sendo este um processo tradicional e bem conhecido, em que pese os contínuos esforços em P&D. A biodigestão vem se mostrando uma proposta híbrida para a produção energia e concomitante produção de composto que pode ser utilizado como adubo. A pirólise de biomassa, processo ainda em fase de desenvolvimento, apresenta potencial valor na produção de adubos em vista da velocidade do processo ser consideravelmente inferior aos anteriores. A literatura é vasta em opções tecnológicas adequadas para as mais variadas biomassas produzindo, assim, compostos com diferentes composições finais.

Uma das vantagens de se utilizar as biomassas para a reposição de nutrientes ao solo é a possibilidade de se atender o mercado de orgânicos e hortas urbanas. O mercado mundial de alimentos orgânicos movimentou em torno de U$ 80 bilhões segundo dados de 2015 do Research Institute of Organic Agriculture (Instituto de Pesquisa da Agricultura Orgânica), tendo os Estados Unidos como líder de mercado, com praticamente 40% do total (SOUZA et al, 2019).

A demanda por orgânicos cresce no Brasil a uma taxa de 20% aa enquanto que a oferta por produtos orgânicos cresce a taxas inferiores segundo pesquisa feita em 2017. Cerca de 70% da produção de orgânicos do Brasil é exportada para a Europa (SEBRAE, 2019). Já as hortas urbanas produzem de 15 a 20% dos alimentos consumidos no mundo. Estima-se que haja 800 milhões de agricultores que se dedicam á agricultura urbana, sendo que 200 milhões de fazem disto um negócio e empregam outras 150 milhões de pessoas (VELLEDA, 2017).

Assim, a conjuntura aponta para o uso das biomassas, em particular as residuais, como um negócio com potencial explícito de geração de valor no agronegócio e que, carrega consigo, a solução para problemas ambientais de longa data. As tecnologias, conforma já mencionado, estão dispostas na literatura aguardando para serem implementadas. A produção em larga escala tem potencial para reduzir o déficit na balança do comércio de fertilizantes e criar um diferencial na agricultura brasileira. As informações estão disponíveis, há recursos humanos no país com qualificação na temática, bastam as empresas enxergarem valor, no que hoje é um problema, e investirem.



REFERÊNCIAS

1. GOTTENS, L. Demanda mundial de fertilizantes chega a 182 milhões de toneladas. Revista Agrolink. 2017. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2019.
2. BORGES, H. As dez empresas que controlam o mercado mundial de fertilizantes. O Globo – Caderno Sociedade. 2018. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2019.
3. ASSOCIAÇÃO NACIONAL PARA DIFUSÃO DE ADUBOS. Macroindicadores. Pesquisa setorial 2019. Disponível em: . Acessado em: 18 jan. 2020.
4. VEGRO, C. L. R. Mercado de Fertilizantes: aumento das importações preocupa. Análises e Indicadores do Agronegócio. Instituto de Economia Agrícola. São Paulo, v. 13, n. 4, 2018. Disponível em: . Acesso em: 17 jan. 2020.
5. PEREIRA, P. C. M. Mercado de Fertilizantes – Brasil. In: Simpósio SINDIADUBOS 2018. Disponível em: . Acesso em: 23 jan. 2020.
6. MATIAS, G. C. S. Compostagem e Fertilizantes Orgânicos: Ferramentas para a gestão de Resíduos Sólidos. In: REUNIÃO DA CÂMARA DE INSUMOS AGROPECUÁRIOS. 2015. Brasília. Disponível em: . Acesso em: 19 jan. 2020.
7. SOUZA, R. P.; BATISTA, A. P. CÉSAR, A. S.  As tendências da Certificação de Orgânicos no Brasil. Estudos Sociedade e Agricultura, v. 27, n. 1, 2019
8. SEBRAE. O mercado para os produtos orgânicos está aquecido. 2019. Disponível em: . Acesso em: 03 jan. 2020
9. VELLEDA, L. Hortas urbanas produzem 20% dos alimentos consumidos no mundo. Rede Brasil Atual. 2017. Disponível em: . Acesso em: 16 dez. 2019.

 

Autor: Luiz André Felizardo Silva Schlittler (Presidente do Grupo Beta 1-4)